domingo, 2 de novembro de 2014

Cuida dele


Não preciso que ninguém me diga que nunca alguém vai cuidar do que é nosso tão bem quanto nós mesmos, mas hoje eu queria te dar umas dicas. Não por você, nem por mim, mas por ele. Você precisa entender que ele é difícil, mas que isso é, talvez, uma das melhores coisas pra você. Porque vai te fazer ver que você é capaz de ser versátil, madura, firme, grande, doce, paciente e outras tantas características que urgem à flor da pele pra lidar com alguém na hora que o calo aperta – e se não for, vai aprender a ser. Bom, comigo foi assim, acredito que pode acontecer com você também. Mas o importante é que você se lembre que mesmo que ele fale muitos decibéis acima do normal quando está nervoso, tudo que ele espera é seu socorro, então não vai adiantar querer gritar por cima. Ouvir e retribuir com um beijinho funciona como mágica.
Ele gosta de ser olhado nos olhos. Você pode fazer isso por um tempo em silêncio e provavelmente vai ser presenteada com o sorriso mais lindo do mundo. Aproveita, tem coisas na vida que confortam e com certeza o sorriso dele é uma delas. Ele também gosta de se sentir leve e, por incrível que pareça, é quando ganha um abraço apertado que ele voa alto e livre.
Poucas coisas deixam ele mais feliz do que um carinho na barba. Talvez só a mão na nuca na hora do beijo ou o cheirinho de um beijinho de esquimó. Ele gosta de ser acarinhado, de um afago inesperado, de te ver sincera e inteira. Então seja.
Deixa ele te apertar o braço e falar colado no seu rosto que quem manda é ele, mulher. Ele sabe que não é verdade, assim como esse teatrinho é mais falso que moeda de três centavos, mas poucas vezes você vai se sentir tão protegida quanto quando ouvir isso e tiver a certeza de que ele é, sim, o homem capaz de te livrar de todo e qualquer perigo. Talvez só quando ele insistir pra que você troque o lado da rua pelo da calçada, ou quando disser que te ama.
Ele não gosta de papel de presente, então não se dê ao trabalho de embrulhar as coisas. Mas ele gosta de bilhete, principalmente se for escrito à mão. E gosta de ouvir que você está feliz e, mais do que isso, de te ver feliz. Então se joga em todas as bobeiras que ele inventar pra vocês dois e seja. Cuida dele quando ele estiver triste e quando não estiver também. Leva no cinema, pergunta qual filme ele gostaria de ver mas, na hora, escolhe você. Ele gosta de ver a mulher decidida que está do lado dele mesmo que, no fundo, você só tenha optado pelo Star Wars porque sabe que ele é fascinado por todo aquele universo e não se cansa de assistir uma, duas, três vezes mais. E deixa ele falar sobre o que viu. Ele vai adorar ser ouvido e mais ainda se você disser que, bem, mesmo leiga, talvez você também possa compartilhar com ele sua opinião.
Faz cada minuto ser único, faz o espaço ser pequeno pro sentimento de vocês e o tempo insuficiente pra viverem tudo que vocês esperam. Você tem um tesouro nas mãos e talvez ainda não tenha se dado conta. Mas, nesse caso, trate de se apressar e aproveitar a chance que a vida está te dando de ser feliz. Dizem que a gente cria filhos pro mundo. Educa, vê crescer, cresce junto e a cada coisa nova é um aprendizado pros dois. E aí, já maduro e com bagagem suficiente pra seguir em frente sozinho, ele se vai. Às vezes amores são como filhos.

sábado, 18 de outubro de 2014

(In/sub)consciente


Meu subconsciente me traiu e eu sonhei com você. Um sonho real, possível. Ironia ou não, nele a gente também estava afastado, mas a vontade de estar perto nos fazia querer aproveitar qualquer brechinha de tempo em que ninguém estava olhando pra se abraçar, conversar e repetir de novo tudo aquilo que a gente já sabe sobre sermos felizes juntos, talvez, mas no real não ter jeito. Até em sonho você salvava a pátria no final com um gesto bobo, mas que me fazia te admirar. Dessa vez você acendia o sistema de churrasqueira de uma casa pra ajudar a mim e mais duas pessoas com um par de bêbados que tinha acabado de entrar. É louco, é sonho, não é pra ter sentido. Mas fez todo sentido quando eu estava na cozinha da casa te espiando pelo reflexo dos azulejos verdes da parede e você me espiando do mesmo jeito do seu lugar e sabendo que eu te olhava. E aí você me pediu água, pretexto bobo pra, um minuto depois, estar sozinho na cozinha comigo. Não aconteceu nada, a gente, de novo, só aproveitou a situação pra se olhar, sem nem chegar a trocar uma palavra, mas os dois sabendo o que o outro queria dizer. Acordei com seu nome na minha cabeça. Experimentei os dois modos possíveis de te ter perto de mim (o voluntário e o involuntário) e estou tentando descobrir se é mais esquisito pensar em nós daqui ou quando passo por onde você pode estar e torço  em vão  pra estar lá e a gente se esbarrar por acaso. De qualquer jeito, te descobri morando na parte do meu consciente que eu não controlo. E tomara que eu não consiga te tirar dali, nem por querer, nem sem querer. Por mais estranho que seja, é sempre bom ser surpreendida por você.

(julho/2014)

domingo, 28 de setembro de 2014

Sobre defeitos – meus e seus

Levei dois segundos pra pensar que é bom não ter notícias suas, que minha vida ta linda e que mais um mês e tudo que vivemos não vai significar nada além de uma experiência que chegou, ficou e passou. Treze minutos depois eu morri por dois segundos dentro de mim com aquela sensação dolorosa que fica depois do pico de adrenalina e passa aos poucos corroendo o corpo e enchendo a mente de murmúrios. Lembrei de quando você falou que não é fácil abandonar tudo em prol de um nada que pode ter muito mais a oferecer que nossas promessas cheias de quereres, mas vazias de mudança. Que às vezes você ta bem, mas que em outras escolhe sentir e viver sua tristeza. Ainda estou me acostumando com a minha companhia e com a falta de tanta coisa que nem vale a pena enumerar, mas independente disso tudo já vi que eu vou me dar muito trabalho. Percebi que nessa de não saber ser sozinha eu nunca me dei a chance de conhecer meus medos a partir da perspectiva de quem olha de fora e que uma coisa chamada "alter ego" nunca foi tão fácil e simples de compreender como quando eu me peguei tendo que me tirar do abismo de frustrações onde me joguei e com que me cobri. Me falaram que eu sou forte, que no meu lugar ainda estariam trancados no quarto, até hoje e por mais uns seis meses. Tolinhos. Quem disse que não estou? Saio de casa pra me dar um descanso, ou viveria de dois em dois segundos alimentando uma bipolaridade nunca antes tão bem cultivada. É uma questão de escolha, não é mesmo? 
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Larguei tudo pra lá e vou começar do zero (agora já sei como fazer isso). Não significa que mudei de opinião, mas o fim das coisas não é tao simples pra mim, nem com textos, nem com pessoas. Passei dias olhando pro jeito como eu falo de tudo que aconteceu sem saber onde e com o quê dar um ponto final. Talvez essa seja a questão, não saber a hora de parar, ou então é só minha mente que trabalha com isso de se acostumar com o que tenho, de funcionar na inércia. Sim, sou um poço de apego e por que não ser? Hoje tive que me apegar ao passado quando me pediram pra listar cinco defeitos seus e eu parei no dois sem saber mais o que inventar. Vi que, na verdade, você não merece uma descrição tão ruim – achei seu maior defeito.

"E tanto faz
De tudo o que ficou guardo um retrato teu
E a saudade mais bonita"

sexta-feira, 19 de setembro de 2014

Primeiro Corte

Aprendi com você que nem sempre a gente tem que dizer "é brincadeira" no final de uma piada, por mais absurda que ela possa parecer. Afinal, pra que quebrar o clima de espanto antes da hora? Sustentar a tensão, deixar o outro acreditar, ou mesmo ficar na dúvida por algum tempo, é um dos temperos que transformam a vida de insosa em gostosa. Nós, homens pseudodesenvolvidos e inteligentes demais do século XXI, e a nossa mania de abreviar o tempo. Guardamos rápido nossas coisas, desligamos o computador em 1 segundo, saímos correndo do trabalho e andamos apressados pra chegar em casa logo, ainda que a gente tenha 22 anos, filho algum nos esperando e... pra que, mesmo? Ontem eu experimentei andar devagar e quanto da vida eu vi com outros olhos, esses que você treinou sem saber. Deixei brincadeiras soltas e pude degustar a reação das pessoas. É muito mais interessante avisar que eu não estava falando sério depois de me divertir com as respostas incrédulas, abismadas, desesperadas que a minha provocação instigou. Deu tempo até de escrever um livro! É brincadeira. Faz tanto que a gente não se vê, mas da pra ter certeza que nosso próximo encontro vai ser tão gostoso quanto foi o último, acontecido há uma quantidade de meses atrás que não importa. Nada vai fazer diferença quando você começar a descrever seu desgosto gratuito por alguém. Você me disse que não precisamos gostar de todo mundo. Achei esquisito, te olhei esquisito — ainda não tinha os olhos treinados —, mas não. Antes não gostar que fingir o mundo de porquês que justifiquem nosso "oi, tudo bem" também gratuito. Por que puxamos assunto mesmo? Você está na seleta listas de pessoas que eu realmente gosto e com quem quero estar junto, mas entrou só depois que eu tive certeza de estar na sua. Bom, pelo menos você ainda não disse que é brincadeira. E se for, o que é que tem? A gente não precisa gostar de todo mundo mesmo.

quinta-feira, 4 de setembro de 2014

Ana,

Um dia você vai estar tranquila, feliz, leve, achando que nada pode dar errado, já que você só está cumprindo a tarefa de deixar ser, de ver o mundo a sua volta com olhos de um compositor de bossa nova, sereno. Então você vai chamar a atenção, vão querer provar do seu encanto e vão se encantar antes mesmo de entrarem na sua sintonia porque leveza é assim, transborda. E você vai se permitir viver tudo isso a dois, por que não? Conhecer o outro, trocar, experimentar, também é tão bom quanto sorvete de flocos no calor. Então você vai descobrir que quem quer se apresentar é ele e que ele não vê a hora de ajudar vocês a serem felizes juntos. Você vai ser invadida por uma paz enorme, Ana, e vai entender que estar feliz a dois é poder não só compor a bossa, mas também cantar e tocar ao mesmo tempo sem perder o compasso. Ah, o compasso... Às vezes ele trai a gente, Ana. E você vai ver que não da pra fazer o solo da gaita e cantar a letra sozinha, por mais que você ache que é a Ana mais segura que existe ou que nada pode te atrapalhar. Mas atrapalha, Ana, porque não temos o controle de tudo, ah se tivéssemos! E, principalmente, não temos o controle do outro. Um dia vocês dois vão tocar a música e perceber que estão em ritmos diferentes. E vão parar um pouco e combinar que, na próxima vez, vão estar no mesmo compasso. Mas Ana, o que não vão te dizer é que não da pra prever a música que o outro vai começar a cantar. Nem achar que porque você o ensinou a dançar forró ele vai sempre acertar no dois pra lá, dois pra cá. Talvez ele prefira só olhar você no salão enquanto toca a zabumba. E aí você vai dançar sozinha a dança dos dois, Ana, e nem vai ver quando ele parar de te olhar. Não vai ser por querer, mas é que às vezes outras coisas nos chamam mais a atenção do que aquelas que já temos. O novo é lindo, Ana! Vai ser assim quando ele se encantar por você e também quando ele começar a se encantar por outras coisas. Então você vai ficar sem entender isso da novidade, porque não vai ter percebido que quem vai ter se encantado também é você por ele. Mas vai ser dessas coisas que falam pra gente que descobrimos tarde demais, Ana. Sim, você vai passar por isso e não vai conseguir dormir à noite, mesmo querendo que tudo não passe de um pesadelo. E é aí que você vai descobrir o quanto é frágil. Vai ter o mundo de amigos batendo à porta enquanto só vai querer continuar trancada no quarto enchendo seu travesseiro de porquês. É que ver o mundo lá fora, Ana, também pode ser ruim. Você pode esperar pelo dia de sol e de repente começar a chover. Geralmente é quando a gente descobre que existe uma palavrinha chamada decepção e que ela começa em nós e na nossa mania de esperar que a vida siga nossos planos. Não segue, Ana, mas segue. E você vai ter que seguir a sua mesmo com a mudança de rota. Vão aparecer atalhos e caminhos floridos, você vai poder seguir à pé ou de bonde, quem sabe? E num desses dias de andar pelo mundo sozinha de novo você vai se descobrir uma Ana diferente. Isso pode ser bom ou ruim. Mas nesse dia, Ana, torça para não ter caneta e papel na bolsa. Escrever é lembrar e guardar pra ler de novo depois. É falar com Anas, Marias, Amélias e outras desconhecidas. 
Prazer, Ana, e não esquece que nem sempre estamos no controle.

segunda-feira, 4 de agosto de 2014

Cordel encantado


Vimos fotos de tantas coisas boas que já tinham acontecido com a gente. Você me contou como andava a vida enquanto eu estava longe e me mostrou seu novo trabalho. Então colocou seu crachá no meu pescoço, me coroando sua princesa. Ali eu me senti à frente de um reino, não com a responsabilidade de governar, mas com passe livre pra desfrutar de tudo que você tem, agora à minha disposição. O dia era seu e você fez questão de lembrar que, se eu quisesse, podia ser meu também. Ninguém percebeu nossas entrelinhas. Aliás, ninguém nunca sabe o que se passa entre a gente quando nossos olhares se cruzam, e a cada vez que conseguimos nos esconder do mundo em nós mesmos o jogo fica mais divertido. Guardo aquele dia como quem esconde um tesouro e assim faço com tudo o que é nosso e nem mesmo você sabe, só eu, porque é a minha versão da história. Vendo daqui seu castelo é lindo, enfeitado com meus sorrisos e com seus abraços que pedem desesperadamente pra que eu volte depois que você me soltar. Mas hoje eu quero ficar e descobrir todos os papeis que você desempenha quando eu não estou olhando. Porque você já foi o bobo da corte pra arrancar minha risada, o maitre que serviu o que eu queria sem que eu precisasse pedir e até o jardineiro que aparou cada espinho dos meus dias ruins. Agora falta saber com o que você se diverte, do que gosta de ouvir e o que espera da sua princesa. Estou aqui para fazer as honras e encher seu mundo de vida com a minha loucura. A gente nunca sabe quando acaba um conto de fadas, mas eu sei que no final todos vivem felizes-para-sempre, então me sinto à vontade pra aceitar minha coroa. Sei que a gente vai se divertir um bocado até chegar a hora da moral da história, mas se o nosso caminho sempre termina comigo do seu lado, talvez a gente tenha pulado pra parte do final feliz e ainda não tenha se dado conta. Vamos descobrir juntos?

"E os desatinos
Também tivemos que vivê-los bem juntinhos
E os caminhos nos trouxeram para este lugar
Aqui vamos ficar, amar, viver, lutar
Até tudo acabar"

sábado, 7 de junho de 2014

Quis


Hoje eu quis ouvir seus conselhos. Quis seu abraço, seu afago, sua atenção. Quis saber que não importa o que aconteça, você tem uma piada idiota pra situação que vai me fazer rir e querer te matar por isso. Hoje eu quis seu bom dia, o "tudo bom com você, senhora?" e seu riso frouxo. Quis sua ajuda naquela conta doida que me tirou do sério, fichinha pro rabisco garranchado da sua lapiseira, e na hora de olhar pros lados pra atravessar a rua. Quis sua gentileza com desconhecidos, quis a música dedilhada que você tocava pra si mesmo e eu não sabia qual era, quis você olhando sério pra mim e me confessando que eu sou linda. Hoje eu quis andar de braços dados com você por qualquer lugar, te marcar os braços com minhas unhas grandes e afiadas, quis você aguentando os tapas e foras da minha TPM. Quis seu cheiro de roupa limpa, quis te contar que eu já tenho a ideia pra minha monografia. Quis saber da sua vida, do casamento da sua irmã e do almoço gostoso que a sua mãe fez ontem. Hoje eu quis rabiscar com lápis a sua camisa branca, quis suas tentativas de montinho de mãos em comemoração a alguma coisa, quis fotos cortando nossos rostos e fotos minhas no seu celular. Quis ser sua dupla, quis te contar meu pesadelo, quis te levar pra passear no carro que eu ainda nem tenho. Hoje eu quis te ligar. E quis dizer que a saudade é enorme, "mas fazer o quê?". Quis te acompanhar no salgado com Coca-Cola e saber que você ainda é legal. Hoje eu quis ouvir você dizer meu nome alegre, e triste, e com raiva, e brigando, e sofrendo, e me amando. Quis te zoar por alguma coisa inútil, te contar a curiosidade que eu li na internet e comer o Serenata de Amor que você comprava pra mim. Quis guardar seus segredos, saber o nome dos seus amigos que eu não conheço e ir de tiete no seu show. Quis não precisar ter ciúmes por saber que tenho o melhor de você pra mim, quis ser brega e ser correspondida no mesmo nível sem que isso nos envergonhe. Hoje eu quis saber se você me procura, quantas vezes no mês e por que. Hoje eu quis estar do seu lado. Hoje eu quis você.

"Tem dó de mim,
O que eu posso fazer?
"

quarta-feira, 4 de junho de 2014

Do seu jeito


Olha nos olhos dela, bem fundo, como se fosse se perder ali. E se perca um pouco antes de falar qualquer coisa, pra ela ficar sem jeito e desviar o rosto de você, sorrindo, boba. Esteja olhando pra ela quando ela voltar a te olhar, pra ela te ver sincero e se encantar com você. Fala pra ela que você não sabe o que fazer e, ah, se ela soubesse tudo o que você queria fazer de vocês dois. Busca a mão dela e faz carinho com seu polegar, pra ela sentir cada toque e saber que daquele jeito, com aquela carga toda de afeto, é só pra ela. Deixa ela querer te carinhar também. Tira ela do lugar e leva pra passear por qualquer esquina, só pra andarem um do lado do outro. E anda devagar, pra dar vontade de se darem as mãos. Levanta o rosto dela pelo queixo e coloca de novo os olhos dela nos seus. E não faz nada, só abraça ela bem apertado, como se fosse o último enlace de vocês dois. Beija o rosto dela e chega perto do ouvido. Se demora um pouco por ali e diz o quanto ela está linda antes de se afastar. Quer apostar como ela nunca mais vai se esquecer de nenhum dos seus detalhes?

quinta-feira, 24 de abril de 2014

Fôlego


Não é pra você se achar nas minhas linhas, nem pro seu nome ditar as letras do vocabulário do meu mundo preto e branco. Nem pro seu cheiro combinar com o que enfeita minhas paredes cinzas, nem pra você ler meus olhos. Nem pra eu parar de ouvir sua voz. Não é seu nada que ta aqui, nem meu, e não estou emprestando. Nem pra você virar as costas pra mim, nem pra me dizer que não importa, nem que não se importa mais. Não é pra ter ardor, nem pra transparecer minha loucura, muito menos a sua. Não é pra ser meu delírio, minha confusão. Não tem confusão. Não é pra não ter você, nem pra deixar de ter seu abraço, nem seu rosto combinando com meu pescoço e com meu cheiro e o que você encontra ali. Não é pra ter seu toque, sua pele, nem suas súplicas em silêncio, nem seu silêncio. Nem seu pesar, nem seu sofrer, nem meu dilacerar. Não é pra imergir, nem buscar minha mão no fundo, nem me pegar à flor da pele sozinha. Nem pra encontrar minhas marcas no seu passado, nem minha sanidade, nem pra tentar entender. Não é pra desabar longe de mim, nem se montar na minha frente. Nem pra pedir meu querer, nem pra ele ser seu. Não é. Não é pra dar voltas e enjoar, nem pra seguir em frente e se perder, nem pra voltar e dar de cara na dor, nem pra ficar e abrir o abismo nos meus pés. Nem pra começar do zero, nem pra zerar o começo, nem pra comer das bordas o que sobrou. Não é pra ter luz. Não é pra correr daqui, não é pra sumir. Não é pra ter o que não há, nem pro fulgor passar, nem retrair. Não é pra ser bom, nem pra ser você aqui de novo. Nem overdose, nem engasgar, nem gritar, nem sussurros. Não é pra reler, nem pra ter fio da meada, nem pra ser meu, nem pra ser eu. Nem escassez, nem pra nunca existir, nem medir, nem cortar, nem tentar ir atrás. Nem ir. Não é pra saber, nem escolher, nem colidir. Mas é.

domingo, 30 de março de 2014

Lembra?


Lembra daquele dia em que nos conhecemos? A idade era pouca, nossos olhos ávidos de curiosidade pelo que nos esperava. Você puxou assunto porque era a pessoa mais legal do dia e eu te correspondi porque era ainda mais curiosa e não me importei em falar com você, sentado por acaso ao meu lado  que mal teria? Nossos nomes eram molduras na parede e a partir dali ficariam até hoje e também daqui por diante penduradas em nossas lembranças, ainda não sabíamos.
Lembra que surpresa o destino, a sorte  não sei  nos preparou? Meu lado era seu e o seu, meu. Cada dia éramos estreitados para junto de nós mesmos por quem nos olhava. Todos sempre tiveram certeza do nosso pertencimento antes da gente porque nunca nos preocupamos em pensar nas coisas, só éramos. Cada riso junto era só a nossa diversão transbordando porque o bem feito um ao outro enchia o copo até a borda e escorria livre, libertador.
Lembra dos segredos, da cumplicidade, dos sonhos? Misturamos tudo isso, mais eu do que você. E você soube decifrar cada coisa como ninguém, me sorrindo, apoiando e tirando meus pés do chão com seus desejos declarados só pra mim. Embarcamos nas nossas fantasias, eu com meu medo nas mãos, você com a coragem nos olhos, o peito aberto, a cara à tapa e os braços ao meu redor.

"Dos nossos planos é que tenho mais saudade,
Quando olhávamos juntos na mesma direção.
Aonde está você agora,
Além de aqui, dentro de mim?"

(Legião Urbana)

quinta-feira, 20 de março de 2014

Outono


Finge que você era o pai e eu era a mãe. Aí a gente morava numa casa grande com um quintal bonito cheio de flores brancas caídas no chão porque era outono. A gente tinha só a gente porque nossos dois filhos homens tinham casado e se mudado pra longe. Você era um velhinho fofo, com dentes e cabelo, porque acho que careca você ia ficar engraçado. Eu sempre tinha sido paparicada na nossa casa porque eu era a única mulher entre três homens, aí eu fazia tudo que eu queria, mas não era malcriada. Eu me exercitava e era esperta porque sabia mexer no computador. E vocês sempre me falavam que eu era linda, você e os dois meninos, mas você lembrava que eu era a velhinha enrugadinha mais bonita que você já viu.
Aí um dia você saiu da nossa casa e não disse pra onde ia. Finge que você sempre me dizia e dava um beijinho na bochecha (porque velho não da beijo na boca) antes de cruzar a porta da frente de casa, aí dessa vez eu fiquei preocupada. Mas você tinha saído pra fazer uma surpresa, só que eu não sabia. Eu limpava a casa o dia todo e me jogava no sofá, lá pras seis da tarde. A nossa sala tinha uma janela que dava pro lado do quintal que não tinha vizinhos, porque a gente morava na última casa da rua antes de ela virar ladeira e descer pro resto da cidade. Aí, como não tinha muro, dava a impressão que depois da nossa casa só tinha a paisagem do horizonte e mais nada. Era pra esse nada que eu tinha ficado olhando e admirando através da janela depois da faxina. Eu percebia que você não tinha voltado e começava a querer chorar.
Nessa hora você chegava, abria a porta, mas não entrava. Antes de eu correr pra te abraçar, você falava "nossa, você ta ainda nais linda desde que eu saí". Aí eu corria até você, mas você esticava a mão pra frente pra eu não conseguir te abraçar e acabar vendo o que você tava escondendo na outra mão atrás de você. Eu parava com as mãos na cintura sem entender, e nessa hora você me entregava uma margarida e eu via que você também tava com um ukulele. Aí você começava a tocar A Sunday Smile. Eu ficava te olhando, sabendo que você era o homem, ou melhor, o velhinho da minha vida, e descobria que você ainda era bom cantor, mesmo sem prática depois de tantos anos sem tocar e cantar nada.
A música acabava e você dizia "eu demorei porque tava procurando a flor mais bonita do mundo pra te trazer, mas não achei e trouxe essa". Finge que eu te abraçava muito forte nessa hora e não duvidava da justificativa do seu sumiço do dia todo porque depois de tantos anos juntos eu sabia que podia confiar em você, e você só tinha demorado mesmo porque tava na casa do seu irmão ensaiando a música.
Pronto, é assim, o resto a gente improvisa. Vai, começa...

"All I want is the best for our lives,
my dear,
And you know my whishes are sincere"

(Beirut)

Obrigada, Chico Buarque, pelos moldes de João e Maria.

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

Cineasta


Seu filme tinha close em mim, assim como seus olhos sempre têm quando estamos juntos. Me pegou desprevenida, mas foi bom estar ali. É sempre embaraçoso saber que somos observados, um olhando um, apenas os dois, por mais que a sua atenção seja minha o tempo todo. Mas é que assim, registrado, é diferente, cê sabe. O que você quer de mim? Nossas conversas são despretensiosas, nossa relação um vínculo sem nome. Você quer me encontrar sem motivos especiais, mas hoje eu quero saber. Usa o filme que você fez pra me contar, não tem graça guardar tudo pra si e me deixar curiosa. O que os cineastas dizem quando têm um espaço pra falar de alguém? Hoje o espaço é meu, me conta, vai.

quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Pra gente dançar


Você afinou seu melhor instrumento pra mim. Fez canção dos seus desejos e segredou cada palavra que cantou pro mundo. Eu ouvi espiando, embalada no seu som que me cobria por inteiro, até alcançar e resgatar o lugar em mim que sempre foi seu. Hoje eu canto minha prosa pra você. Guardei a sete notas meu recomeço e, no nada de compor que sei, alinho meu carinho no seu tom. 
Dança comigo essa noite, que eu vivo da primeira linha até aqui sem olhar pra trás pra não apagar a sua sensação em mim, essa que move minhas palavras. Olha aqui, toma minha paz, meu querer que você sabe que é seu. Deixa eu te prender no meu sorriso e em cada esquina do meu olhar, se faz de fraco e segura minha mão. Suas fugas sempre acabam em nós que puxamos cada um em uma ponta tentando afastar e apertando ainda mais nossa ligação a cada passo pra trás. Mas por agora dê dois passos mais pra perto que eu te envolvo com meu braço e, dois pra cá, dois pra lá, a gente embala até o fim da nossa canção.
Vamos ser piegas hoje mais que ontem e tanto quanto nunca fomos. Eu sei que o final é bom porque hoje quem canta a prosa sou eu. Tenho o melhor de mim pra te oferecer aos poucos até te embriagar. Daqui pra frente o que tenho aqui vai guiar nós dois. Não se preocupa, quando tudo acabar a gente volta pro refrão. Nós sempre voltamos.

terça-feira, 14 de janeiro de 2014

Sobre medos e bolsos


Foge não, mais quatro minutos e a sua menina vai estar no local combinado, esperando por você e todas as coisas que você disse ter pra falar com ela. Tire sua coragem do bolso, faça seu medo ficar pequenininho tal como naquela sua prova da faculdade ontem, mostre que você pode. E mostre isso a você mesmo. Levante a cabeça e me diz se você acredita nesse cara atrás do espelho embaçado. Também acredito. Então, que te falta? É o telefone dela que você não consegue esquecer e que espera ver aparecer na tela do seu celular, foi pensando nela que você dormiu noite passada, é com ela que seus sonhos de vida feliz fazem sentido, os sonhados dormindo e acordado. Agora corra, você tem só dois minutos até estar com ela, mas pode ganhar uma eternidade tendo-na ao lado se esquecer esse orgulho que, cá entre nós, é o que te prende de verdade. Ela já reconheceu o erro vindo ao seu encontro e agora é a sua vez de mostrar como se faz, como se abraça, como se beija, como se sente o amor. Mas vá rápido, foge não, ela já está te esperando.

(10/07/2011)

segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

Zoom


Quando deu por si estava na Central do Brasil, sozinha, 18:23. Se consideravam-na de baixa estatura, ela sentia perder um centímetro a cada dez pessoas que cruzavam apressadas seu caminho. Entrou em um dos vagões e, de pé, sintonizou seu mp3 em Djavan. Se consideravam-na de baixa estatura, ela sentia ganhar um centímetro a cada dez sequências de frases bem cantadas e que pra ela faziam todo sentido. Fitou a janela por entre duas cabeças de pessoas com histórias diferentes e mirou um ponto fixo onde o foco encontrava ora céu, ora muro, ora rostos. Quando céu, agradava. 18:31, era céu, deu zoom e ali se perdeu.
Só eu sei as esquinas por que passei, só eu sei que, mesmo diante de tanta gente, o que olho em cada um é a ausência de um ato seu capaz de me tirar o ar, as palavras, o medo. Estou aqui sem você e cadê naquele rapaz de aparentes vinte anos a iniciativa de se levantar e ceder seu lugar à senhora à frente dele? Ela agradeceria com a mesma felicidade que sente ao receber um beijo de um neto. E na moça com o homem de pólo verde ao lado, onde está a atenção? Ele parece triste, só quer que ela converse um pouco, mas de onde estou posso vê-la colocando o fone no ouvido oposto. Sabe lá qual dessas pessoas tem um abraço que aperta angústias até que elas desapareçam, tal qual o seu; não encontro alguém do seu jeito nesse vagão. E se encontrasse, ah, que fosse você. E quem será na correnteza do amor que vai saber me guiar?
18:36, já não importava. A música seguinte era uma baladinha animada, ela recuou o zoom e olhou pro lado, ainda não era a sua estação. Voltou o olhar à janela e entre as duas cabeças de pessoas com histórias diferentes parou uma terceira. Perdeu o foco.

(06/07/2011)

 (Esquinas, Djavan)
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