quinta-feira, 14 de maio de 2015

Relógio

Relógio

Tem horas que é preto o branco. Tem horas que só quero tirar os óculos e escolher sentir a miopia com todos os seus efeitos turvos e necessários. Tem horas que o aperto é grande e um batalhão de coisas pra fazer tomam conta da minha cabeça, mas eu só preciso ser ouvida, só preciso me ouvir no silêncio que cabe em olhos fechados. Tem horas que eu escolho ouvir música em inglês pela letra, ou melhor, pela possibilidade que tenho de ignorar a letra, não prestar atenção e ser levada pra longe pelo som esquisito que sobra. Sou capaz de um shuffle de todos os álbuns de Smiths, Tame Impala e Jeff Buckley juntos. Tem horas que eu quero que tudo que me dizem seja engolido de volta e entalado na garganta de quem falou, pra incomodar bastante. Tem horas que eu quero que seja noite e tem horas que a vontade é de fugir pra outro país, com uma mochila nas costas e sem telefone, pra ter que começar tudo de novo, do zero. Tem horas que eu quero me obrigar a ser o melhor de mim e tem horas que eu tampo os dois ouvidos com as mãos e repito "take it easy" umas 20 ou 200 vezes pra mim mesma. Tem horas que eu quero sacudir as pessoas, dar um tapa na cara pra acordar e berrar um "alôu, sou eu e tô aqui, não perde tempo". Tem horas que sou em quem perde tempo. Tem horas que sou eu quem perde.

domingo, 15 de março de 2015

Do Caio

"Tenho trabalhado tanto, mas sempre penso em você. Mais de tardezinha que de manhã, mais naqueles dias que parecem poeira assenta e com mais força quando a noite avança. Não são pensamentos escuros, embora noturnos… Sabe, eu me perguntava até que ponto você era aquilo que eu via em você ou apenas aquilo que eu queria ver em você. Eu queria saber até que ponto você não era apenas uma projeção daquilo que eu sentia, e se era assim, até quando eu conseguiria ver em você todas essas coisas que me fascinavam e que no fundo, sempre no fundo, talvez nem fossem suas, mas minhas, e pensava que amar era só conseguir ver, e desamar era não mais conseguir ver, entende? Eu quis tanto ser a tua paz, quis tanto que você fosse o meu encontro. Quis tanto dar, tanto receber. Quis precisar, sem exigências. E sem solicitações, aceitar o que me era dado. Sem ir além, compreende? Não queria pedir mais do que você tinha, assim como eu não daria mais do que dispunha, por limitação humana. Mas o que tinha, era seu. Mas se você tivesse ficado, teria sido diferente? Melhor interromper o processo em meio: quando se conhece o fim, quando se sabe que doerá muito mais — por que ir em frente? Não há sentido: melhor escapar deixando uma lembrança qualquer, lenço esquecido numa gaveta, camisa jogada na cadeira, uma fotografia — qualquer coisa que depois de muito tempo a gente possa olhar e sorrir, mesmo sem saber por quê. Melhor do que não sobrar nada, e que esse nada seja áspero como um tempo perdido. Tinha terminado, então. Porque a gente, alguma coisa dentro da gente, sempre sabe exatamente quando termina. Mas de tudo isso, me ficaram coisas tão boas. Uma lembrança boa de você, uma vontade de cuidar melhor de mim, de ser melhor para mim e para os outros. De não morrer, de não sufocar, de continuar sentindo encantamento por alguma outra pessoa que o futuro trará, porque sempre traz, e então não repetir nenhum comportamento. Ser novo. Mesmo que a gente se perca, não importa. Que tenha se transformado em passado antes de virar futuro. Mas que seja bom o que vier, para você, para mim. Te escrevo, enfim, me ocorre agora, porque nem você nem eu somos descartáveis. E eu acho que é por isso que te escrevo, para cuidar de ti, para cuidar de mim – para não querer, violentamente não querer de maneira alguma ficar na sua memória, seu coração, sua cabeça, como uma sombra escura."

(Caio Fernando Abreu)

sábado, 28 de fevereiro de 2015

Ela diz

Nenhum sinal, nada além de até quando, um dia, quem sabe. Mas ela diz que apesar de tudo ela tem sonhos. Que o barquinho é remado a dois, que o porto vai estar ali pra quando a maré da vida dela estiver agitada. Que vão se admirar de ela querer voltar pra mesma ilha que fez dela perdida, sozinha, em alto mar. Que ela não vai ligar, porque construiu sua cabana forte naquelas terras com suas próprias mãos, tantinho por tantinho, sem pressa pra não deixar nenhuma falha, mas querendo a cada tanto que ficasse pronta logo. Que o espaço vai ser pequeno pra dois de novo tamanho amor que vai ser colocado nele. Que a espera vai acabar, que o sonho vai ter par. Ela diz que um dia a gente há de ser feliz, se Deus quiser.


(Janaína, Biquini Cavadão)
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